No meu ensino médio do curso de eletrônica, tive a minha primeira experiência de conviver com dois mundos praticamente ao mesmo tempo: o analógico e o digital. Eu estava estagiando numa empresa de telefonia e minha rotina incluía testar as linhas telefônicas e trocar relés queimados. Minhas tardes se passavam entre grandes corredores cheios de gabinetes barulhentos e luzinhas que viviam piscando, fios, botões e uma quase sinfonia de sons característicos dos equipamentos. Quando fui visitar a mais nova unidade que estava iniciando os trabalhos de telefonia digital, a diferença já era grande: espaços mais compactos, componentes menores e um silêncio quase sagrado. Ainda estávamos longe do "boom" dos aparelhos de telefonia móvel, os celulares.
Antigamente, e quando falo isso não me refiro a séculos passados, mas sim, a décadas, as novidades tecnológicas chegavam com um intervalo um pouco menor entre uma e outra e nós, humanos, mal percebíamos o que estava acontecendo: telefone analógico; telex; fax; celular; televisões em preto e branco, tevês em cores...máquinas de escrever mecânicas, elétricas, eletrônicas, computadores, internet,smartphones, smart tevês, robôs.
Ficção x Realidade
Há anos, o cinema e a literatura retratam possíveis futuros para a humanidade e raramente vemos cenários coloridos. É como se fosse uma sucessão de roteiros de um mundo cinzento, frio e dominado pelas máquinas, máquinas criadas pelo homem. A lista de filmes e livros com este enredo não é pequena, é como se os diretores e autores quisessem convidar o ser humano a refletir um pouco sobre esta corrida desenfreada que pode ter um fim desastroso. O discurso geralmente é o mesmo: evolução da tecnologia para o bem estar das pessoas,comodidade, conforto e mais tempo para passar com a família e relaxando, quase um mundo "ideal". Mas toda história tem duas ou mais faces, muitas vezes cuidadosamente disfarçadas e escondidas sob um véu de mistério.
Tecnologia e desigualdade social
Escrevo este texto em 2023 e o mundo, mesmo com tantos avanços tecnológicos, ainda é formado por um mosaico de realidades contrastantes: os muito ricos e os muito pobres; os saudáveis e os que não têm acesso a serviços de saúde gratuitos de qualidade; os que concentram renda e os que não fazem ideia de como vão conseguir comprar comida ou pagar as contas do mês. A impressão que tenho é que os ideais de dar a todas as pessoas uma vida digna com o mínimo de condições parece um pote de ouro que está muito, mas muito além do arco-íris.
O que vejo é um mundo que parece cavar ainda mais um abismo entre estes cenários. Pessoas conectadas às redes sociais e indiferentes ao outro; Correria constante que é bem conveniente para não permitir que elas pensem por si mesmas, só vivam no " piloto automático"; Várias " distrações" para que o tempo também seja engolido e as pessoas não consigam focar no que é realmente essencial.
O que vem depois da IA?
No começo, a inteligência artificial deu o ar da graça nos atendimentos telefônicos de empresas, com os menus inteligentes cheios de opções e que ajudariam o usuário, consumidor,cliente a resolver seu problema; A mesma coisa nos atendimentos online por chat, com os atendentes virtuais. Enquanto estava neste patamar, a inteligência artificial parecia algo necessário e inofensivo, até o momento em que ela começou a ganhar atributos e capacidades que, em tese, seriam apenas possíveis aos seres humanos, aliás, esta frase que escrevi é encontrada em algumas definições na internet sobre o que é a inteligência artificial.
Este meu subtítulo é um misto de curiosidade e temor porque vejo, aos poucos, mais e mais profissões e profissionais sendo " rifados" por estas " maravilhas tecnológicas de ponta". Como jornalista, acompanho com assombro o advento do chatGPT e outros similares e digo, sem pudores, que é algo que me incomoda. Claro que vão ter aqueles que irão apontar as vantagens desta ferramenta: rapidez, praticidade, correção mas, e as pessoas? Ainda vai haver espaço para elas neste mundo daqui pra frente? Li notícias de equipamentos que são uma maravilha para empresários e patrões porque eliminam a necessidade de profissionais, como é o caso de um equipamento que permite ao repórter de tevê " se filmar" enquanto faz sua entrada ao vivo ou gravações. As funções de iluminador, auxiliar de cinegrafista e agora, o próprio cinegrafista, vão entrar na galeria de profissões extintas.
O meu mundo analógico e humano
Estou com 53 anos e vi algumas coisas deste mundão lindo que está mergulhado neste caldeirão analógico e digital. Posso ser rotulada de saudosista ou nostálgica, mas gosto muito do jeito analógico da vida que parece ter uma essência mais humana, amorosa e solidária. Não sou antitecnologia, nem poderia, já que essa tecnologia é a que me permite hoje escrever meus textos aqui e compartilhá-los nas redes sociais para quem se interessar a ler. Mas, acredito que, vai chegar um ponto em que, se nós humanos não estabelecermos limites para tanta tecnologia, acabaremos sendo engolidos por ela.